José Deia – Escritor
O JOÃO RURAL
João Rural morreu. No dia 23 de junho de 2015, Paraibuna sofreu a sua maior perda humana. Nascido em 3 de junho de 1951, ele fez muito pela cidade. Foi uma figura que só queria ajudar a terra em que nasceu. Infelizmente, as autoridades não pensaram assim. A sua vontade de trabalhar por Paraibuna era maior que a vontade política de muitos em sua cidade. João Rural, com a vontade de fazer algo importante para cidade, só arrumou inimigos.
Ele se revelou na administração do Joaquim Rico, eleito prefeito de Paraibuna em 1977. Incentivou o turismo na cidade, ajudou a fundar a FAPAP, Feira Agropecuária do Alto-Paraíba, que por muitos anos foi um sucesso, colaborou na reforma do Mercado e muito mais. Não sendo possível continuar colaborando para o sucesso da FAPAP, João foi para Jacareí, onde foi um dos fundadores da FAPIJA, Feria Agropecuária e Industrial de Jacareí. João Rural continuou como assistente e colaborador desse evento até sua morte.
Na cidade, só foi conseguir colaborar novamente com o Prefeito Dr. Zélio, construindo a Cozinha Caipira, e muito pouco com o Prefeito Loureiro. Nunca como político, apenas como voluntário, querendo ajudar nossa Paraibuna.
Mostrou suas qualidades com jornal, revistas, livros de fotografias e muito mais. Quando da sua morte, nunca se viram tantas homenagens a uma pessoa daqui. Teve seu nome em jornais, principalmente no O Vale, com uma página. Apareceu também em noticiários importantíssimos na TV Globo, com três edições. Uma logo antes do falecimento, em razão da festa, outro no dia em que ele se foi e mais uma na madrugada de sábado do dia 4 de julho de 2015. Saiu também na TV Band, com quase uma hora. Só faltou ser prestigiado pelas autoridades de Paraibuna.
Por coincidência, a leitura do Evangelho do domingo dia 5 de julho de 2015 foi assim:
Mc 6, 1-6 – Jesus foi a Nazaré, sua terra, e seus discípulos o acompanharam. Quando chegou sábado, começou a ensinar na sinagoga. Muitos que o escutavam, admirados, diziam: De onde recebeu tudo isto? Como conseguiu tanta sabedoria? E esses grandes milagres que são realizados por suas mãos? Este homem não é carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco? Jesus lhes dizia: Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares. E ali não pode fazer milagre algum.
Comparando: Quem é esse cara? Não é o João Faria, cabeludo que trabalhava no Bazar do Deia, irmão do José Vicente, filho da D. Malvina? Onde ele aprendeu tudo isso, fazendo esse montão de coisa, jornais, revistas, álbuns de fotografia e muito mais? Pois é! Esse cara é o JOÃO RURAL!
JOÃO FARIA
1951 a 2015
Em 1969, numa segunda-feira logo de manhã, D. Gioconda, esposa do Mauro Mariano Leite, antigo proprietário do Bazar do Deia, procurou o José Deia contando uma história, em seguida fez um pedido: “Por favor, contrate o João Faria, filho de D. Malvina, para trabalhar aqui. Seu pai faleceu há pouco tempo, e sua família está sem rendas. Estão passando fome!”. O bazar estava mesmo precisando de uma pessoa para trabalhar com revista, vender e comprar discos, e o nosso amigo veio a calhar. Em pouco tempo, João Evangelista de Faria ficou entrosado no assunto, aprendeu de tudo, virou especialista. Sabia muito bem comprar discos em São Paulo e vendê-los, com um belíssimo conhecimento de músicas e lançamentos. De 1971 a 1973, trabalhou também para o Antônio Reis, que tinha uma distribuidora de jornais e revistas.
Logo em seguida, Márcio José, filho de José Deia, tinha terminado o segundo grau e precisava continuar os estudos. Surgiu uma ideia, não se sabe de onde nem como, e João Faria resolveu também estudar, fazer turismo em São Paulo. Os dois arrumaram um apartamento, num prédio bem próximo ao centro da capital, ao lado do viaduto que ligava a Avenida Celso Garcia ao Centro, e não muito longe de onde deveriam estudar. Márcio José tinha sido aprovado no vestibular da FMU, Faculdades Metropolitanas Unidas de São Paulo, onde cursou Administração de Empresa. João Evangelista de Faria deveria estudar numa faculdade de turismo em Santana. Lá ficaram os dois durante uns quatros anos. Nesse período, não largaram Paraibuna. Márcio José já tinha representações de várias firmas que distribuíam jornais e revistas, e continuou administrando esse serviço.
Em 1976, Joaquim Rico foi eleito prefeito de Paraibuna, tomando posse no dia primeiro de fevereiro de 1977. Foi quando, atendendo um pedido do José Deia, nomeou João Evangelista de Faria. João pegou bem o serviço e tornou-se o braço direito do prefeito. Quase tudo que foi feito na cidade tinha o dedo do nosso amigo João Evangelista, inclusive as festas da cidade. Primeiro foi a de São Sebastião, que deu origem à FAPAP em 1978. Organizou a festa de São Benedito, a Festa do Divino Espírito Santo, transferida para o Bairro do Espírito Santo, e, por último, a Festa de Santo Antônio, um sucesso absoluto. É pena que muito pouco continuasse, tudo o que foi mudado e o que foi adotado não foi preservado. João Evangelista de Faria não ficou até o fim do mandato, deixou a prefeitura por desentendimento, exatamente na FAPAP, que estava sendo um grande sucesso.
Saindo de Paraibuna, foi logo para Jacareí, no ano de 1983, quando colaborou na fundação da FAPIJA, um sucesso até esta data e onde o Senhor João Evangelista de Faria continuou trabalhando nas organizações do Evento até antes do seu falecimento.
Em 1980, lançou o primeiro livreto com histórias de Paraibuna.
Em 1981, lançou um caderno com poemas do Seu Siqueira.
Em 1982, foi lançado o primeiro guia turístico de Paraibuna, mostrando a represa. No mesmo ano, uma coletânea de fotos antigas de Paraibuna e cidadãos paraibunenses. Também produziu o primeiro show do Grupo Rio Acima.
No ano de 1983, fez uma reedição do Almanach de Parahybuna e lançou a Revista Vale Rural, que foi até o ano de 1987. Começou a escrever e fotografar para o Vale Paraibano, onde foi também editor do Suplemento Rural, com a criação de vários outros suplementos no mesmo jornal. Foi ainda proprietário do Caipira Restaurante Bar, de 1983 a 1987.
Em 1987, foi o criador dos “Stilosos”, um time de futebol.
Em 1990, fez o lançamento da TV Caipira.
Em 1993, fez circular na cidade o jornal Folha da Serra, que foi um sucesso.
Em 1994, idealizou a cozinha caipira “Manezinho Stábile”.
Em 1998, foi para Silveira, ficando lá até o ano de 2000, quando teve condições de lançar a Revista Vida Rural, que circulou até o ano de 2001.
Em 1999, faz sua primeira publicação com receitas da cozinha tropeira do Vale do Paraíba.
Em 2001, foi para o litoral, onde fez várias pesquisas, e lançou a Revista Nascentes, que circulou até o ano de 2005.
Em 2002/2003, produz para a TV Band Vale, o programa Fogão do João Rural, juntamente com o amigo Júlio Neme.
Em 2003, lançou o Guia Valemar e uma revista de turismo com o mesmo nome.
Em 2006, depois de uma boa pesquisa, lançou a primeira Revista Nascentes do Rio Paraíba.
Vale Rural foi um suplemento criado por João Rural quando estava trabalhando no jornal Vale Paraibano. Quando saiu, continuou com uma publicação em formato de revista. A marca era dele. Mais tarde, ele a cedeu oficialmente ao Jornal Vale Paraibano.
O que mais marcou na vida do nosso estimado amigo João Rural foram as culinárias do Fundo do Vale, onde ele passou mais de dois anos, documentando, fotografando a vida, costume do seu povo e tudo mais. João Rural ficou encantado com o Fundo do Vale, tudo para ele era maravilhoso. Conseguiu criar um acervo com mais de setenta mil fotos. Morou por muito tempo em Silveiras, aprofundando pesquisas sobre tropeiros e tropeirismo. Ele gostava muito de falar sobre as paradas das tropas para descanso dos animais: “As paradas se davam a cada 24 quilômetros, o que determinou a distância de cada cidade do Fundo do Vale”.
De Silveiras, ele saía para outras cidades, aproveitando para fotografar cerâmicas em Cunhas, figureiros em Taubaté e também pássaros entalhados em madeiras e outras particularidades da região. Em Silveiras, conversou muito com as pessoas mais humildes, os caipiras da região, aprendendo muito sobre a culinária, principalmente os pratos doces, verduras consumidas, a importância do milho na base culinária. Tudo isso foi o que mais despertou interesse de João Rural.
Logo em seguida, levou suas panelas e foi cozinhar no Revelando São Paulo, no Parque da Água Branca. O que ele gostava de falar, divertindo-se muito, era sobre seu fusca marrom, que fez cair o queixo das pessoas na frente do Hotel Grand Hyatt, onde foi realizado um encontro em 2012 do “Paladar” do Estado de São Paulo.
João Rural fez muitas outras pesquisas, inclusive do Litoral Norte Paulista, escrevendo até um livro que foi um sucesso.
Fez também, com auxílio da Vale Projetos e Eventos, e patrocínio da Petrobras, um livro a respeito, com o nome de Nascentes do Paraíba do Sul, sugerindo e mostrando a importância da preservação das nascentes desses rios.
Sempre focado e sem-cerimônia, João Rural não conseguiu apenas simpatia por onde passou. As pessoas mais ferrenhas, políticos, não têm motivos para negar a contribuição que foi dada para a preservação das memórias e tradições da região, principalmente de Paraibuna.
Realizar muito sem nenhum recurso era sua especialidade. Não se sabe onde ele aprendeu isso. Seja lá como for, ele conseguiu superar tudo isso. Mesmo como jovem, quando começou a trabalhar no Bazar do Deia, já era assim. Já tinha esse costume.
Venceu e conseguiu superar tudo, mostrando a todos o que ele era capaz de fazer. Festas, eventos, acontecimentos, em tudo ele estava presente, fotografando, opinando, para que tudo desse certo, tudo fosse um sucesso absoluto. Era um grande observador.
Um dia, ouviu o dono da Marina Paraibuna oferecer o local na represa para um representante das competições de velas no Estado de São Paulo. Pensou: “Nem de graça essa oferta pode ser aceita. No litoral nunca vai faltar água. Sempre será um local ideal para essas competições. Aqui, na represa de Paraibuna e Paraitinga, um dia vai faltar água e as competições podem ficar prejudicadas”. Acertou em cheio, hoje não temos muita água no lago e dificilmente tudo voltará ao normal.
Na última conversa que tivemos, sua preferência era culinária, mostrar a todos como era a cozinha antigamente e também escrever tudo sobre sua vida. Infelizmente, José Deia replicou: “Faça logo isso, senão pode não dar tempo”.
Seus sonhos eram muitos. Tudo o que ele fez ainda achava pouco, dizia que poderia fazer muito mais.
João Rural faleceu na madrugada do dia 23 de junho de 2015, deixou lembrança e seu nome no Brasil inteiro.
Capítulo do livro “Memórias de Parahybuna – José Deia – Outras Memórias”, 2016, quarto volume da série Cadernos Culturais editada pelo Instituto Chão Caipira “Malvina Borges de Faria”. Pode ser adquirido com o autor no Bazar do Deia.