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Veja a participação do João Rural no Cozinhas do Brasil em São Paulo

Dia 1 de julho estivemos em São Paulo, de chapéu de palha e o fusquinha 
comandado pela Jéssica. Fomos participar do Cozinha Brasil, do caderno 
Paladar do jornal O Estado de São Paulo. Interessante a reação das pessoas 
com o assunto da cozinha caipira, muitas vezes dando uma conotação 
folclórica, deixando de lado a importância social do assunto.

No final, o que foi bom, foi o interesse de muita gente, de chefs locais 

e o interesse da editoria do próprio jornal que organizou o evento.

Veja nesta edição algumas reportagens e comentário publicados no caderno Paladar.



Durante muito tempo a vergonha foi um ingrediente tão importante na cozinha caipira quanto o queijo, a rapadura e a mandioca. “O paulista nega suas origens quase como uma vergonha”, discursou o chef Ivan Achcar. Sem saber o que disse o colega, o pesquisador João Rural bateu na mesma tecla: “A comida caipira precisa ser colocada no seu devido lugar. Todo mundo tem vergonha de falar que faz. Diz que faz comida gaúcha, mineira, paulista…”.

Há dez anos, quando João dava uma palestra sobre o assunto, não conseguia juntar dez pessoas. Este ano discursou durante uma hora para 90, e ficou mais meia hora autografando livros. Os chefs Ivan Achcar e Bella Masano assumiram suas porções caipiras e saíram em defesa do outrora renegado cuscuz paulista. Sim, houve um grande avanço – mas ainda falta.

Talvez o desafio atual dessa culinária de séculos ligada ao tropeirismo seja o de perder o complexo diante da mineira (sua filha). A cozinha caipira é um antepasto de espertezas: “O caipira não é burro – serve a comida no fogão porque sabe que, na mesa, vai esfriar”, afirmou João Rural, que há anos roda o Vale do Paraíba em seu fusca colhendo receitas e a tradição oral da culinária. “O sucesso da nossa gastronomia tá embaixo do nosso pé, ele tá na terra.” A cozinha caipira não precisa ser bonitinha nem folclórica, apenas ser angu, ser frango caipira, couve, cará e doce de leite. Pronunciar seus “erres” sem… vergonha.

A cozinha sertaneja enfrenta desafio parecido. É que o sertanejo e o caipira são irmãos distantes que não se falam muito, mas basta uma ligação telefônica para lembrarem o quanto são próximos. E esse entrecruzamento de arraigadas tradições brasileiras foi o alicerce de quatro aulas do 6.º Paladar – Cozinha do Brasil: Cozinha Caipira, de João Rural; Cozinha e Mesa Paulista, de Bella Masano e Ivan Achcar; Cozinha de Raiz do Sertão, de Ana Rita Suassuna; e Origem Sertaneja, de Rodrigo Oliveira e Wanderson Medeiros.

As coisas mais simples são mais difíceis porque requerem muito mais alma”, diz Ana Rita Suassuna,entre erudito e popular, entre o lírico e oreceitas. “Represento um bando de minoria: sou mulher, nordestina, sertaneja, velha e falo de comida de pobre”, disse, com “fibra de Maria Bonita”.

Rodrigo Oliveira e Wanderson Medeiros, chef do Picuí, em Maceió, tentavam explicar que o sertanejo é o essencial e que, para ele, ter já é fartura. Como exemplificou Ana Rita Suassuna com o ferro de passar queijo, “engomar” queijo não era o luxo que é engomar o jornal, e sim uma estratégia para fazer o alimento durar de um inverno a outro.

Rodrigo, acostumado a nadar contra a corrente (quebrou imperativos geográficos na Pauliceia), aproxima João Rural e Ana Suassuna: “O sertanejo e o caipira têm em comum o fato de fazerem uma grande cozinha com pouquíssima coisa em mãos. Nós não temos a diversidade da Amazônia”.

Sertão e roça

João não sabia nada sobre Ana Rita nem Ana Rita sobre João. Mas eles se cruzaram e começaram a conversar. “Você cozinha?” Ela disse que era “uma fazedora de comida doméstica; é no lar que a comida é legitimada”. João concordou. “Quando eu vou às casas das pessoas e observo o jeito como se põe a banha de porco na panela me sinto privilegiado.” João, que ouvira antes Ana falar em “comida de pobre”, engatou: “Conheci uma mulher do Vale do Ribeira que fazia pratos com banana e dizia que era ‘comida de pobre’. Comida de pobre, não, é a comida do futuro!” Ana Rita contou: “Tem um francês que me perguntou ontem ‘como é que uma coisa é tão gostosa e tão simples e não é conhecida?”

João Rural e seu chapéu (Foto: Amanda Nogueira)

Farofa de içá e bolinho caipira de farinha
branca (Foto: Amanda Nogueira)
Com fala mansa, em tom de conversa, ele deu uma aula sobre a cozinha caipira que conhece de perto. Vindo de Paraibuna, a “Paris” do Vale do Paraíba, o culinarista caipira – com muito orgulho, sim, senhor! – falou da importância de preservar as tradições e disse que a cozinha caipira está ganhando espaço ao lado de outras consagradas como a italiana e a mineira. “Eu esperava estar num lugar desses há muito tempo, finalmente está acontecendo”, contenta-se com o auditório de 90 pessoas que estavam interessadas em saber como separar a banha do porco e dessalgar carne seca, por exemplo.

Foi com os mais clássicos pratos da região do interior paulista que João Rural conquistou os presentes. O bolinho caipira de farinha de milho branca recheado com carne de linguiça, grande sucesso das quermesses regionais, se juntou no mesmo prato à farofa de içá e foi servido com café com rapadura.

A etiqueta é simples, mas importante: é preciso apreciar, cozinhar e comer com calma. “A maneira de cozinhar, o fogo, a consistência do alimento, o sabor real da comida caipira não é o mesmo com fogão à gás. A comida caipira é pra comer devagarinho”, ensina João. Caipira que é caipira não tem pressa, come os alimentos da época e não abusa dos temperos. Depois dessa aula, além dos gostinhos dos pratos típicos, ficou a vontade de desacelerar. 

 O interior chegou para conquistar a cidade grande no último dia da 6ª edição do Paladar – Cozinha do Brasil. João Rural veio com seu fusquinha, fez questão de desfilar com seu chapéu de palha e achou graça de quem o olhava curioso pelos corredores. Topou com a escritora Ana Rita Suassuna, sábia conhecedora da comida sertaneja nordestina que foi logo disparando: “eu também represento minorias, sou mulher, nordestina e sertaneja”. “E ainda tem alguns chefes que tratam nossa comida como folclore e não como costume social”, queixa-se João.

Joao Rural com seu fusca na frente do hotel Grand Hyatt,depois de sua palestra. Foto: Tiago Queiroz/AE

Em 2008, Madonna aterrissou no Grand Hyatt São Paulo em um Mercedes Benz CLS Wagon. Em 2010, Paul McCartney veio a bordo de um portentoso Audi Q7. Em 2012, João Rural chegou de chapéu de palha dirigindo um fusquinha 82. É com ele que o pesquisador percorre o Vale do Paraíba para pesquisar a cozinha caipira. Sabe como é que é, fuscas têm apelidos… “Não, o meu não tem, dar nome em fusca é bullying”, ri-se João, que, de partida, no fim do evento, entrou no banco do passageiro, pois quem dirige é Jéssica, sua assistente. “Ele queria cochilar após o almoço, mas eu tô com saudade dos meus cavalos.” Ela assumiu o volante. E pé na estrada.



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